Odenildo Sena*
Não devemos nos iludir. O pior leitor de nossos textos somos nós mesmos. Sabe por quê?
Ao escrevermos um texto, ele é construído a partir de nossa própria perspectiva discursiva, o que inclui nossa formação social e ideológica, isto é, nossas crenças, hábitos e manias, nossas preferências e idiossincrasias. Enfim, no que escrevemos deixamos sempre as marcas indeléveis de nossa presença, como se fossem impressões digitais das quais não temos como nos livrar.
Ora, por mais críticos que sejamos, a leitura de nossos próprios textos é balizada pelos mesmos mecanismos com que os escrevemos. Somos, portanto, os maiores cúmplices de nossos textos.
Não significa dizer, entretanto, que não temos nenhuma margem para a autocrítica. Claro que sim! Mas as fronteiras desse território são limitadas. Sempre que criamos a ilusão de ultrapassá-las, acabamos por navegar num círculo vicioso e a nos enredar em nossas próprias crenças.
O melhor mesmo é termos sempre por perto leitores outros que, libertos de nossos vícios, possam aferir com mais segurança os defeitos e virtudes do que escrevemos.
A propósito dessa questão, lembro-me bem de quando escrevi a primeira versão do meu livro “A engenharia do texto”. Impus-me como desafio o cuidado de construir um texto que não apenas refletisse a minha larga experiência pedagógica com produção textual em sala de aula, mas também fosse estruturado dentro de parâmetros didáticos capazes de oferecer aos leitores conforto e segurança para navegarem com autonomia em suas páginas.
Na perspectiva em que o escrevi, jurava a mim mesmo ter alcançado esses objetivos. Ledo engano. Desconfiado de minha certeza, certo dia tive a feliz ideia de imprimir algumas cópias e distribuí-las entre alguns de meus ex-alunos da universidade e alguns estudantes do ensino médio, filhos de amigos meus, com a recomendação de que não tivessem nenhuma condescendência com aqueles escritos.
Libertos, então, de minhas garras, os originais de “A engenharia do texto” puderam navegar sob os cuidados de outros e múltiplos olhares.
Cada cópia devolvida por aqueles primeiros leitores e leitoras, algumas com poucas, outras com mais observações, significava uma gratificante aprendizagem para mim, diante do cotejo entre a minha leitura e a leitura deles. Com isso, “A engenharia do texto” passou por ajustes e transformações e ganhou uma roupagem que certamente não teria sido possível com a unilateralidade do meu olhar.
(*) Esta e outras crônicas estão em meu livro APRENDIZ DE ESCRITOR – Sobre livros, leituras & escritos. Manaus: Editora Valer, 2020, p. 80.