Li em uma de suas crônicas que o escritor Rubem Fonseca tinha uma enorme resistência para escrever à mão. Ele confessa ter sido a vida inteira um digitador, desde que aprendeu a dominar as teclas de uma máquina Underwood.
Eu quero crer que o autor de “Feliz ano novo”, que nos deixou em 2020, aos 94 anos de idade, tenha saltado, a partir da década de noventa, das teclas da sua Underwood para as modernas e suaves teclas do computador e para todas as facilidades que essa maquininha infernal colocou à nossa disposição. Comigo foi assim.
Me lembrei dessa passagem da crônica do Rubem Fonseca pela coincidência de eu também ter aprendido muito cedo a pilotar as pesadas teclas de uma velha máquina Underwood e ter me tornado um digitador que odeia escrever à mão. Mas aí tem uma explicação que eu não atribuo apenas à preguiça. Apesar da insistência dos cadernos de caligrafia prescritos por dona Suzete, no Grupo Escolar Olavo Bilac, minha letra sempre foi horrorosa e de difícil compreensão, o que me causou, confesso, muitos problemas na vida escolar.
Não sei se era assim com o Rubem Fonseca, mas comigo, depois que eu passei a me entender muito bem com a velha Underwood, ela se tornou a minha redenção. Para tudo eu recorria a ela, até mesmo para escrever um simples bilhete.
O fato é que a habilidade desenvolvida na intensa convivência com a Underwood, mediada por um manual de datilografia, presente de minha irmã mais velha, foi responsável pelo meu primeiro emprego com carteira assinada, como se dizia antigamente.
Certa manhã, eu me apresentei ao funcionário-chefe do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, por recomendação de um vizinho nosso, e ele pediu para eu me sentar diante de uma enorme máquina Olivetti. Depois, passou-me um papel com um texto, olhou para o relógio de parede próximo e fez sinal com a cabeça para eu começar.
Em pouquíssimo tempo, os teclados silenciaram e eu dei por concluído o trabalho. Retirei o papel da máquina e, cheio de confiança, entreguei nas mãos dele. Ele leu o texto que eu havia datilografado, deixou escapar um leve sorriso no canto dos lábios, fez dois movimentos com a cabeça e cravou: arrume uma camisa de punho e uma gravata e se apresente amanhã às sete horas aqui na agência. Tinha eu 18 anos.
Bendita Underwood! Passei quatro anos usando camisa de punho e gravata.