DESUMANO: Manacapuru tem mais de 200 famílias convivendo com lixão e com graves riscos à saude

Por Osmir Medeiros

Nem só de guerras vivem as tragédias humanitárias. Existem muitas outras formas de se submeter gente a condições sub-humanas. Uma delas é o que se faz na área urbana de Manacapuru, a 84 quilômetros de Manaus: mais de 200 famílias vivendo dentro do lixão da cidade, em um “bairro” chamado Castanheira, situado no km 2 da rodovia AM-352, que liga Manacapuru a Novo Airão.

Qualquer relato sobre as condições em que vivem as famílias dessa área pode até soar como fantasioso se não estiver calcado em imagens e depoimentos. Por isso, nesta matéria-denúncia, trazemos o máximo possível de fotos e vídeos que comprovam o quanto a necessidade empurra as pessoas para a vida em condições realmente indignas e, pior, o quanto a omissão dos poderes públicos pode ser criminosa.

Para uns, foram as famílias que invadiram o terreno ao lado do lixão e se colocaram nessa situação insalubre. Para outros, na verdade as famílias foram sendo assentadas no lugar, inclusive com o aterramento de parte do lixão. A bem da dignidade, porém, isso não tem importância alguma diante do fato concreto, que é a existência de um bairro inteiro integrado a um lixão, sendo que a própria existência de um lixão em área urbana, numa cidade-sede de um município do porte de Manacapuru, já é uma coisa gravíssima.

Existe lei

A Lei Federal 12.305/2010, que institui a política nacional de resíduos sólidos, entre outras coisas estabelece que é proibido o “lançamento (de lixo) in natura a céu aberto” (alínea II do artigo 47) e a “queima a céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados para essa finalidade”.

Mais adiante, no artigo 48, estão as proibições de atividades nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos: “I – utilização dos rejeitos dispostos como alimentação; II – catação; III – criação de animais domésticos; IV – fixação de habitações temporárias ou permanentes.”

E existe a realidade

Somente pelas partes citadas da lei da política nacional de resíduos sólidos já se constata o absurdo que é a situação do bairro Castanheira, que pode ser chamado também de “bairro do lixão de Manacapuru” porque, como já se disse, é de fato um bairro, com centenas de famílias vivendo na maioria em casebres, mas com ruas asfaltadas e até poço artesiano para distribuição alternada de água para uso doméstico.

Foto: Igor Andrade

No lixão de Manacapuru, na verdade, existe tudo que é proibido por lei: gente vivendo cercada por um lixão no qual são despejadas diariamente toneladas e mais toneladas de lixo; gente convivendo com urubus e outras pragas ambientais, e sabe-se lá com quantos milhares de vírus e bactérias nocivos à saúde humana; gente utilizando água imprópria; gente inalando todo dia e o dia todo fumaça tóxica, decorrente da queima permanente do lixão, que nunca acaba porque é alimentada pelo gás metano (CH₄) gerado pela decomposição da matéria orgânica.

Responsabilidades

O lixão de Manacapuru, encravado na área urbana e dentro de um bairro com mais de 200 famílias, é um caso gravíssimo de atentado à saúde pública e constitui uma situação de calamidade. E não é algo novo, sobre o qual se possa dizer que ainda não houve tempo para buscar soluções.

O Brasil tem uma legislação clara, sólida atualizada sobre saneamento básico, que estabelece metas e prazos para municípios e estados eliminarem os lixões e implantarem soluções ambientalmente sustentáveis, que incluem coleta seletiva de resíduos sólidos, descarte correto, eliminação com o uso de métodos e tecnologias seguras, recuperação de áreas degradadas, descontaminação e despoluição, e daí por diante.

Os municípios, que legalmente são os responsáveis pelos serviços de limpeza pública, coleta, transporte e disposição final dos resíduos sólidos urbanos, são obrigados a criar seus planos de gestão considerando aspectos ambientais, sociais, econômicos, culturais e sanitários, e para isso contam com suporte do Governo Federal, que disponibiliza uma série de ferramentas e até um roteiro para encerramento de lixões.

Diante do desamparo por parte da administração municipal e da falta de perspectiva para sair da situação dramática em que vivem, com quem os moradores do bairro Castanheira podem contar? É hora do Ministério Público se manifestar.

Rádio Encanto do Rio