O tesouro escondido no Casarão Vernier [Fragmento]

Casarão Vernier - Foto de José Rocha

José Rocha

Trecho do meu livro inédito O Tesouro escondido no Casarão Vernier:

Com relação ao seu casarão, Louis Vernier deixou uma procuração para um renomado advogado de Manaus vendê-lo. No entanto, a casa permaneceu fechada por alguns anos, pois a cidade de Manaus havia entrado em decadência, e a maioria dos imóveis perdeu seu valor venal. Muitos deles foram abandonados e se transformaram em ruínas por não encontrarem compradores interessados. O casarão passou por vários proprietários até ser comprado por um próspero comerciante libanês da família Al Nasser.

Uma de suas filhas publicou suas memórias, onde fez uma descrição do imóvel em que morou na juventude:

“Quando eu tinha treze anos, surgiu uma oportunidade extraordinária: com uma prole muito grande, meu pai decidiu mudar-se para uma casa maior. O Casarão Vernier foi a melhor escolha. Os antigos proprietários levaram poucas coisas, pois meu pai comprou a casa com muitos móveis e objetos dentro. Cada um de nós escolheu seu quarto, que já estava pronto, com cortinas, lustres de cristal, abajures nas mesinhas de cabeceira, penteadeiras com espelhos franceses e guarda-roupas de madeiras nobres. O piso no andar superior, onde ficavam os quartos, era composto por tábuas corridas, alternando peças escuras e claras, semelhante ao piso do Teatro Amazonas e do Ideal Clube. No andar térreo, logo na entrada, deparávamo-nos com um belo jardim coberto por um caramanchão de ferro com vibrantes buganvílias, iguais àquelas da Praça da Saudade e, no centro, um chafariz com luzes coloridas. Ao lado do chafariz, havia um enorme pinguim de gesso. Esse conjunto bucólico causava uma impressão única. Na varanda que dava para o jardim, encontrávamos cadeiras de balanço feitas de ferro batido. Ao entrar no salão, com piso todo em mármore de Carrara, na sala de visitas, meu piano, um Essenfelder que ganhei aos oito anos de idade, ocupava um lugar de destaque. A casa era o ponto de encontro da juventude para dançar, fazer reuniões, organizar projetos culturais e ensaiar. Dançávamos ‘Twist’, envolvendo movimentos de quadril e torção do corpo, geralmente acompanhada por uma música muito rápida, como o ‘Let’s Twist Again’; o ‘Rock and Roll’, um gênero musical que surgiu nos Estados Unidos, combinando elementos de blues, country e gospel, com batidas animadas e guitarras; ‘Hully Gully’, envolvendo movimentos rápidos com os pés e braços, acompanhado por música animada; ‘Cha-Cha-Cha’, uma dança de salão que se originou em Cuba, caracterizada por movimentos rápidos dos pés e quadris, com uma contagem de tempo distintiva de “2, 3, 4 e 1”, com uma música animada e marcante; e ‘Tango’, uma dança de salão apaixonada e elegante que se originou na Argentina, combinando movimentos sensuais e rápidos com uma conexão intensa entre os parceiros, tocada no compasso 4/4. Ali, aconteciam as mais belas serenatas, executadas por um grupo de músicos amigos e cantadas em coro, com temas que abordavam a lua, as estrelas, o amor e a saudade. Elegantes tertúlias promoviam debates, troca de ideias e o enriquecimento cultural, como literatura, arte, política e filosofia. Fartos almoços, com variadas entradas, peixes Tambaqui e Pirarucu, carnes de primeira, sobremesas e sucos de frutas regionais. Animadas rodadas de jogos de cartas ‘Pif Paf’, com 52 cartas, excluindo os curingas, para formar trincas ou sequências para bater. Recebíamos grandes amigos, que ficavam até altas horas, e o jantar sempre trazia as melhores iguarias. Nós, os jovens, passávamos o tempo entre o pátio e o jardim, conversando ou cantando ao som do piano executado por um amigo músico, ou dos violões, cavaquinhos e atabaques dos seresteiros. À meia-noite, um farto lanche era servido, com coalhada, ovos fritos, sardinhas portuguesas enlatadas e azeitonas gregas, acompanhados de pão quente vindo diretamente do forno da ‘Padaria do Sujo’, que ficava ao lado do Rio Negro Clube.”

 

Rádio Encanto do Rio